Há quem diga que o Natal é todos os dias, não vejo evidências.
TODOS OS DIAS É SIM, O CARNAVAL.
O Carnaval perdura por todo o ano, com um apogeu ou clímax na terça-feira de “carnis levale” (Retirar a carne, em latim, pelos quarenta dias da quaresma (abstinência de carne), forma como a santa madre igreja tornou cativa a festa pagã).
O Carnaval é um cocktail de fantasia (devaneio ficcional), burlesco (arlequinesco, ilusório e ridículo), folia (folguedo e divertimento) e bacanal (sexo sem regras, sobre efeito etílico), com mais uns temperos sem q.b., como manda a sapatilha.
O Carnaval é o dia do devaneio ficcional, em que todos querem parecer quem não são, mascaram-se e assumem personalidade que lhes é alheia. Em que outro dia isso não acontece? Quando o cair das máscaras se assume quase sempre por uma tragédia.
Impera o Rei Momo, inspirado eventualmente na mitologia grega, em que Momo era uma mulher, ressurgindo na literatura espanhola em 1553, na obra “El Momo. La moral y muy graciosa historia del Momo”. Um Rei Momo, já masculino, também Mono (macaco), burlesco, muito aparentado com o falso rei da Babilónia, uma festa que ocorria por um dia e onde um prisioneiro condenado à morte, era rei por um dia (com todos os poderes inerentes, até o de dormir com a rainha e concubinas do rei, e executado no dia seguinte). Um falso governante, a quem nunca ocorreu, como nos dias de hoje, decretar em seu favor, imunidades, privilégios, acautelar negócios futuros. Um falso governante, burlesco, com poderes expandidos a períodos de quatro ou cinco anos, a título de lhe ser dado tempo para se orientar, para se governar, perdoem-me, queria dizer para governar. Infelizmente perdeu-se a tradição da Mesopotâmia, da festa no Templo do deus Marduk, em que o Rei perdia a sua autoridade por um dia, para ser açoitado em frente à estátua do deus, lembrando-lhe que deveria seguir à risca interesses superiores aos seus. Infelizmente.
O Carnaval é dia de folia, folguedo, onde se abomina o trabalho e o pensamento racional, onde o supérfluo vence o necessário, onde se deve ser feliz por decreto, vestir o rosto com máscaras de sorrisos (ou esgares dessa natureza). É dia para esquecer os problemas reais, para aliviar consciências, para olhar para o lado quando a cena não é carnavalesca, para não dar a mínima ao real. É dia de honrar Dionísio e Baco, de beber até transbordar e porque “in vino veritas”, de fornicar sem pensar em consequências (actualmente apoiado com programas de cuidados mínimos e distribuição massiva de preservativos (sim, porque isto já não é uma selva, estamos todos “consciencializados)). É dia de beber o juízo, de nos rendermos à animalidade, de a trazermos da derme à epiderme.
O Carnaval é todos os dias.
J.J. Filipe da Silva, Luanda 24 de Fevereiro de 2020.